MARCO

CAPÍTULO II: A DOR DA SOLIDÃO

Parte Única

Existem momentos na nossa vida em que admitimos que tudo vai de mal a pior e que não existe mais possibilidades de continuarmos assim. São fases em que não suportamos e nem mesmo conseguimos olhar com esperança algum sinal de mudança, de alguma coisa nova. Pois é, quando morava com minha mãe eu sentia muito isso. Não era ela o motivo, apesar de ser alcoólatra e viciada em drogas e cigarro. Era o Eduardo, beberrão, viciado, mal educado e violento. Eu nunca o suportei. Ele era para mim uma das piores pessoas que existia. Mas eu percebi que naquele mundo que eu estava vivendo, sozinho e sem ninguém para conversar, pra falar... Tudo era tão dolorido. Era difícil me acostumar naquele apartamento vazio, só eu, já havia alguns meses que estava ali, no entanto ainda não tinha me acostumado com a minha própria decisão de viver sozinho. Eu sentia falta da mamãe. De vez em quando eu me pegava chamando mamãe. E depois eu me dava conta de que não era verdade.
Muitas vezes eu telefonava para minha antiga casa, falava com ela, dizia que estava morrendo de saudades e que a amava. Era um alívio para mim. Pedia muito para ela vir passar alguns dias comigo, mas era difícil. Foram raros os domingos que me visitou. Eu não a culpo, tendo em vista eu sair de casa. Queria que ela ficasse mais perto de mim, mas ela queria ficar perto do Eduardo.
Eu tenho lembranças bem nítidas ainda. Como se fosse hoje. É como se eu estivesse lembrando das coisas que fiz ainda hoje de manhã. A sirene tocando e eu me levantando da cama, com frio e ainda morrendo de sono e indo em direção da porta, com meu pijama azul, um dos que eu mais gostava de usar pra dormir. E quando abri a porta via o seu rosto, com aquele sorriso, que jamais esqueci, sempre tenho em mente como mamãe sorria para mim. Ela me falou “e aí garoto rebelde”, “me deixou só com aquele infeliz”. Eu disse que ela poderia morar comigo a hora que quisesse. Ela apenas me deu um beijo, disse que me amava e entrou já indo em direção à cozinha preparar o café. Eu fui dormir de novo, afinal ainda eram seis da manhã. Ela me chamou às oito e nos sentamos na mesa para comer. Conversamos bastante. Ela me dizia que eu parecia um adulto e que não tinha nada de criança. Perguntou se eu não queria voltar pra casa. Eu levantei da cadeira, fui até ao armário, tirei uma caixa de biscoitos de chocolate, e voltei. Antes de sentar eu disse a ela que meu mundo não cabia naquela casa. Minha vida só teria paz longe daquele sofrimento. Longe de pessoas como Eduardo.
Sentei-me e perguntei sobre sua saúde, como estava com os vícios. Ela disse que ainda bebia muito, que não conseguia parar. Eu pedi que ela conversasse com Deus e pedisse uma resposta, uma orientação, uma libertação daquele vício. Ela não acreditava muito nessas coisas, pra ela Deus era simplesmente um ser que sequer notava para o ser humano. A gente colocou muitas coisas em dia naquele café da manhã. Depois fomos ao parque, passeamos durante a manhã toda, respiramos o ar daquele dia, abraçados. Voltamos para casa e almoçamos. Ela preparou uma feijoada deliciosa. Era o prato que eu mais gostava. À tarde assistimos a dois filmes e depois dormimos até as oito da noite, quando ela se arrumou para voltar pra sua casa. Foi um dos melhores domingos que tive com ela.
Na noite daquele domingo eu me sentei no computador e comecei a escrever alguns trechos da minha vida. Foi naquele domingo que eu comecei a escrever sobre minha vida. Eu sempre colocava alguns episódios ocorridos. Pra falar a verdade eu tinha pouco o que falar de mim até aquela época. Depois quando crescemos e nos tornamos adultos é que vemos o quanto o tempo tem pra nos ensinar.
Eu apenas me recordo que para eu acostumar-me morando sozinho tive que conviver com algumas tristezas durante quase um ano. E durante esse quase um ano aconteceram muitas coisas. Uma delas foi uma viagem que fiz à Europa com Juan e os seus pais. Foi sensacional.
Nas férias de julho Juan perguntou se eu não queria conhecer Londres de graça. Era o meu sonho conhecer Londres e eu não iria desperdiçar essa oportunidade. A gente foi e passamos por lá uns vinte dias e depois mais dez dias em Paris. Os pais dele sempre foram muito gentis comigo. Dona Janete sempre foi como uma mãe pra mim e o seu Luciano como se fosse um pai. Eles me incentivavam sempre a estudar, a priorizar o colégio. Queriam me ver formado e bem sucedido. Na empresa deles eu aprendi muito sobre negócios.
Em Londres o Juan comprou várias roupas pra ele e pra mim. Nós visitamos alguns castelos e tiramos muitas fotos. Em Paris visitamos a torre Heifel. Passei por vários lugares que jamais pensei passar na minha vida. Lá eu desejava muito que minha mãe estivesse passando aqueles momentos comigo.
Eu aprendi algo muito importante. Na nossa vida devemos valorizar as pessoas que estão ao nosso lado e sempre buscar satisfazê-las e se importarmos com ela mais do que com a gente mesmo. Era isso que via na família do Juan. Eles tinham uma sinceridade, uma amizade comigo, que por vezes me sentia até constrangido e com vergonha.
Foram esses momentos durante esse período que me deixaram menos medroso, menos sozinho, menos deprimido. A companhia deles me marcou mesmo. Eles foram uma família que eu jamais tive. Aquela harmonia me encantava.
Lembro que no final daquele ano, eu já me sentia bem mais acostumado com aquela solidão. Eu estava terminando a oitava série e no próximo ano, eu iria fazer o ensino médio em apenas um ano e meio, para assim eu recuperar o tempo perdido. Meus planos até então eram somente me formar e depois fazer uma faculdade qualquer, nada mais.
No natal, fiz um banquete em casa. O Juan me convidou para ceiar em sua casa. Mas eu queria mesmo é ficar com a minha mãe. Minha mãe veio e ficou até 1 da manhã. Depois foi embora. Mas foi um dia especial para mim. Eu fui na casa do Juan e ali nos confraternizamos. Foi um dos melhores natais da minha vida. Não era nem um pouco parecido com os natais que tive anos atrás.
Todas essas memórias estão aqui na minha mente...
Parece que ainda vivo esses dias...

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