CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Não sabemos quem somos ou se sabemos temos sérias dúvidas. Mas
vivemos num mundo onde as coisas andam meio loucas. As nossas incertezas nos
fazem mergulhar numa grande e quase interminável jornada na busca de respostas
para que possamos nos encontrar no meio de tanta gente. Até a gente se
encontrar, uma série de barreiras iremos enfrentar. Na verdade, acredito que
nós nos construímos dia após dia, mesmo que seja lentamente ou não. Pode ser
também em uma velocidade maior, mas não podemos arriscar tanto, já que perigos
poderão ocorrer.
UMA REFLEXÃO SOBRE O FUTURO
Era muito difícil entender aquele final de ano. Eu estava
acostumado em pensar no próximo ano como um novo começo, um começo simples,
algo que não requeresse tamanha atenção dos meus pais. Mas eles estavam
diferentes e me forçavam a decidir uma profissão. Eu já tinha dito que não
queria ir pra faculdade. Não sabia o motivo pelo qual teria que me formar em
alguma profissão. Eu tinha tudo. Eu era o jovem mais rico da minha cidade e meus
pais eram muito bem-sucedidos. O que eu queria mais? Do que mais eu precisava?
Nada. E era justamente o que não podia compreender. Meus pais queriam que eu
escolhesse uma faculdade do nosso país. Deram-me uma lista das mais procuradas
e das mais famosas. Eu os convenci que escolheria alguma delas somente se fosse
conhecê-las antes e eles acabaram concordando, mas na verdade eu queria adiar
aquela decisão para cada vez mais longe, mesmo sabendo que eu ia terminar o
terceiro ano em menos de dois meses.
Era uma daquelas manhãs de sábado. Durante a semana levanto bem
cedo para ir à escola. Mas costumo acordar tarde aos sábados, digo, nove da
manhã pra mim é tarde. É que eu tenho que ir até os animais e ajudar o pessoal,
sabe, eu gosto daquilo. Eu cuido da fazenda em alguns negócios. Meu pai
controla toda a produção e mamãe cuida dos investimentos. É muito legal. Eu não
trocaria minha fazenda por nada na vida, nem mesmo se me comprassem toda a
cidade Riqueza, a cidade mais bonita do mundo, a gente a chama de Rich City.
Como estava falando, era uma daquelas manhãs de sempre e:
Maressa: Mateus acorda filho. Venha
pra mesa.
Mateus: Mãe, que pressa. Tenho que
tomar banho.
Maressa: Cuida. Temos uma surpresa.
Mateus: Claro. Eu amo surpresas.
Eu não tinha ideia do que seria. É difícil eu receber alguma
surpresa em minha casa. A não ser que seja meu aniversário. É claro, é claro.
Era meu aniversário e eu nem estava me importando. Eu não estava lembrado mesmo
que estava ficando mais velho.
É, eu estava completando 17 anos e agora teria que lembrar que
não era mais um jovem secundarista. Pelo menos até novembro. Eu nunca fiz uma
festa de aniversário, afinal de contas eu não tinha amigos ali, a não ser o
pessoal que trabalhava comigo em
casa. Eles eram verdadeiros amigos. Não eram da minha idade,
mas acredito que amizade não tem idade. Pelo menos esse era o meu pensamento. O
pessoal da escola para mim era apenas o pessoal da escola.
Aquele dia foi especial como todo ano costumava ser. Meus pais
se dedicavam a mim o dia inteiro e me davam grandes presentes. Não falo de
coisas simples não. Falo de coisas surpreendentes mesmo. Só para exemplificar,
neste dia meu pai me comprou um jatinho para eu viajar pra onde quisesse. Eu
não sabia pilotar, mas ganhei um piloto particular junto com o jatinho. Minha
mãe não foi tão longe, mas chegou perto. Ela comprou uma empresa só para abrir
uma conta poupança pra mim. Ela me disse que era pra eu investir na minha
educação. E que quando eu entrasse na faculdade usasse o dinheiro do lucro da
empresa para gastar com os estudos. Foram presentes maravilhosos, eu já estava
acostumado, já ganhei carro, cavalos, casas, hotéis e muito mais, mas todos os
presentes deste ano direcionavam para a faculdade. A incerta faculdade, ou a
forçada faculdade, ou mesmo a faculdade que eu ainda não sabia se queria.
Eu tinha planos como todo mundo tem. Mas era para ser do que
jeito que eu imaginava ser. Pelo menos eu nunca tinha contado para meus pais o
que eu queria. No entanto meu desejo era morar na cidade Fazenda para sempre,
cuidar dos negócios dos meus pais e continuar vivendo ali normalmente sem
precisar sair de casa. Ali era tudo o que conhecia, era tudo o que gostava, era
tudo o que me fazia ser feliz e tudo o que me prendia. Eu não via o outro mundo
por trás da modernidade e da avançada tecnologia. Eu não me importava com isso.
Eu não queria saber de barulho de carros e aviões, eu não queria saber de
barulho de gente e nem de andar em multidões apressadas como se o tempo fosse
acabar logo. Não, eu não queria saber de grandes cidades, de grandes faculdades
e nem de trens, metrôs e shoppings. Não queria saber de cinemas, de casas de
shows e muito menos de restaurantes lotados. Eu queria a minha paz, eu queria a
minha vida de sempre, a minha casa, os meus amigos, a minha terra, o meu mundo.
Mais nada, mais nada mesmo. Eu estava bem até ali e não precisava de algo novo.
Eu me conformava no meu mundo já pronto e não me importava em procurar
novidades ou construir algo pra mim. Tudo estava ali, pronto pra mim.
Talvez eu fosse um pouco egoísta ou um pouco relaxado ou os dois
ao mesmo tempo. Mas era como eu era. Simplesmente era aquilo e nada importava.
Eu não sei. Quando eu olho pra tudo aquilo parece ser tão estranho, mas aquele
era eu, no meu mundo fechado, no meu mundo feliz. Eu não me culpo e nem culpo
ninguém, apenas acho que temos estações. Quando somos mais novos pensamos de um
jeito, agimos de um jeito, gostamos das coisas da nossa forma, dentro do padrão
de nossa idade, de nossa mentalidade, depois, começamos a mudar os nossos
pensamentos e agir de outra maneira e o que a gente achava simplesmente
maravilhoso quando éramos crianças passamos a desprezar. Eu sempre acreditei na
mudança das pessoas. Em vários aspectos. É claro que algumas precisavam de
terapias para mudar, mas acho que cinco anos é tempo suficiente para que
mudemos. Em algum aspecto, mesmo que o menor possível. Talvez foi o que
aconteceu comigo. Mas eu precisei de alguma “terapia”. Não a dos consultórios,
mas a terapia da vida.
Em uma tarde muito quente naquele ano eu resolvi ir até a cidade
conhecer a faculdade de Rich City. Eu como sempre não contei a ninguém. Não
disse nada. Eu não sei o que deu na minha cabeça. Eu não queria saber de
estudar. Os meus colegas do terceiro ano falavam em faculdades, mas eu pouco me
interessava. Um deles me falou que Rich City era a melhor faculdade do país. Eu
fiquei um pouco interessado na conversa dele. Ele dizia que as pessoas famosas
de nosso país estudaram ali. Eu cheguei em casa depois da escola e fui direto ver
a lista das faculdades que meus pais tinham me dado. E ali estava o endereço da
Rich City. Eu não pensei duas vezes, me arrumei e entrei no carro em direção a
uma cidade rica e longe de casa cerca de 15 horas. Eu sabia que não ia voltar
no mesmo dia. Mas quem quer conhecer uma faculdade deve passar vários dias ali.
Foi o que eu fiz. Não avisei ninguém até chegar em Rich City. Já era noite e fui
para um dos hotéis do meu pai. Eu teria um grande trabalho no dia seguinte.
A cidade é maravilhosa. Poucas foram as vezes que a visitei, mas
já conhecia antes. Desta vez eu iria passar mais tempo e ver no que dava. Eu
estava animado com essa ideia de conhecer a cidade, mas ainda não me sentia
seguro quanto ter que escolher uma profissão e principalmente deixar a minha
casa. Eu sabia que não seria pra sempre, mas mesmo assim seria um passo para um
futuro incerto e quem sabe distante de minha fazenda, de minha terra. Era isso
que me assustava, o futuro, algo que eu não conhecia. Eu liguei para a mamãe.
Mateus: Mãe, estou em Rich City.
Maressa: Filho. O que você faz aí?
Eu esperei você para o jantar e você não aparecia. Corri no seu quarto e você
não estava. Achei que estava fazendo algum trabalho da escola e por isso não me
importei.
Mateus: Você já jantou? Está tudo
bem comigo.
Maressa: Já filho. Tudo bem. Mas o
que você faz aí?
Mateus: Vou conhecer a faculdade
Rich City.
Maressa: Como estou orgulhosa de
você Mateus. Eu pensei que você não ia acordar para a vida.
Mateus: Mãe. Não diga isso. Mas
agradeço por se orgulhar de mim.
Maressa: Eu te amo. Tenha uma boa
noite.
Mateus: Eu te amo. Diga para o papai
que eu o amo. Boa noite.
Quando acordei na manhã seguinte estava com um friozinho na
barriga. Esse frio eu sei que é normal sentirmos quando estamos diante de um
desafio ou de uma realidade nova. Mas não é muito legal senti-lo. Parece que eu
ia ficar paralisado, perder os movimentos, sei lá.
Eu peguei o meu carro e saí dali até o centro da cidade onde a
faculdade está localizada. A cidade Riqueza é muito linda, os prédios são altos
e luxuosos, as pessoas são rápidas e ágeis. Andam na velocidade da luz. Todo o
cenário político nacional está assentado ali e o presidente do país mora na
cidade, obviamente, onde fica a sede do governo do meu país. Antes de passar na
faculdade eu conheci a casa do presidente. Realmente é muito linda, mas o
cheiro ou o mau-cheiro da política estava ali. Meu país enfrenta sérios
problemas de corrupção, inclusive o presidente é alvo de vários escândalos. Mas
ele é muito influente e consegue se livrar de quase todos esses escândalos
jogando a responsabilidade de cada um deles em membros do governo de inferior
escalão. Acho que esse pessoal é subornado para admitir a culpa, não sei,
talvez o presidente dê dinheiro a eles para que eles confessem algo que não
cometeram. Mas eu prefiro ficar na minha, como a maioria do pessoal do meu
país, eu não me interesso muito por política.
Eu cheguei no meu alvo. Parecia um sonho. Não imaginava tamanha
grandeza de uma universidade. Tantos jovens chegando ali com seus livros e
cadernos e eu no meu mundo trancado sem conhecer o que é isso. Estacionei o meu
carro e fiquei ali por um bom tempo. Acho que estava com um pouco de medo ou
não tinha coragem o suficiente para saber o que ia acontecer comigo logo depois
que eu entrasse ali. Eu não sou fácil, mas quando algo consegue me cativar a
coisa muda. Eu tinha medo de mudar, eu tinha medo de mudar de ideia, eu estava
com medo de gostar, eu não queria gostar da faculdade, mas parece que eu já
estava gostando. Eu não queria estudar ali, eu só queria conhecer. Era só para
que meus pais não me deixassem mais aflito. Mas eu mesmo estava me afligindo. Eu
desci do carro, depois de quase uma hora de aflição. Eu nem sei como eu
consegui sair dali. Mas eu sai.
Foram passos lentos até entrar pela porta principal da Rich
City. Aquele pessoal me assustava. Eles pareciam de outro mundo, mas eram tão
normais quanto eu ou eu era tão normal quanto eles. Aquelas escadas, aquelas
portas luxuosas, aquele pessoal alegre, aquele pessoal com cara de preocupação,
tudo era muito legal, mas ao mesmo tempo um pouco assustador. Eu fui até a
recepção e perguntei onde conhecer os cursos da faculdade. A moça que me
atendeu era muito educada. Eu não hesitei em elogiá-la pela educação e
recepção. Ela abriu um sorriso muito empolgante. Havia um salão aberto o dia
todo na faculdade com pessoas informando sobre os cursos e sobre a faculdade no
geral. Quando cheguei lá era grande o número de pessoas a procura de uma
profissão. Eu timidamente entrei no salão e me perdi no meio de tanta gente. O
salão não era pequeno, era muito grande. Mas ainda assim a multidão superava.
Eu queria algo interessante e fui até o estande dos cursos de negócios. Acho
que era o que poderia me ajudar a conduzir a fazenda dos meus pais e
administrar as empresas deles. Arrisquei conhecer medicina e engenharia, mas
não era bem o que meu coração pedia. Conversei com alguns estudantes do curso
de negócios e eles me motivaram e me convidaram a conhecer mais profundamente o
curso visitando a faculdade por mais alguns dias. Naquele dia eu gastei um bom
tempo lendo alguns folhetos do curso, a história, os profissionais que já
passaram ali e eram bem-sucedidos no país. Descobri que o presidente corrupto
de meu país fez aquele curso. Não gosto disso, de chamar um político de
corrupto sem provas, mas ele parece ser corrupto e eu não tenho culpa de tantos
escândalos sobre ele. Enquanto não provarem que ele não é corrupto continuarei
acreditando nos escândalos. Conversei com alguns professores disponíveis e com
o diretor do curso. Alguns alunos foram muito atenciosos comigo e eu conversei
com vários deles. Já era tarde e eu teria que voltar para o hotel. No outro dia
eu iria continuar com a minha jornada. Parecia que eu estava mais confiante e
tranquilo. Parecia que meu mundo fechado estava se abrindo. Não de uma forma
milagrosa ou mágica, mas de uma forma lenta e dolorosa. Eu ainda tentava
segurá-lo para não cair, mas eu não tinha mais forças para me esconder de algo
que agora eu via que poderia fazer muita diferença no meu futuro.
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